O valor das suas próprias palavras

“Temos depois que as cartas de um homem, sendo o produto quente e vibrante da sua vida, contêm mais ensino que a sua filosofia – que é apenas a criação impessoal do seu espírito.” (in A Correspondência de Fradique Mendes)

terça-feira, 14 de junho de 2016

FAMÍLIA - Relação pais-filhos. 01.

FAMÍLIA
Relação pais-filhos. 01.
«Os pequenos estão muito bons – muito quietos à mesa. Conversam, discutem, grulham, mas com a máxima serenidade. É o caso de empregar a velha expressão “nem parecem os mesmos”. O Bebert [Alberto] sobretudo é a própria mansidão. Não teve uma perrice, não fez um distúrbio. Ao jantar come com muito apetite, dá a sua opinião sobre os assuntos e lê o Temps alto, com convicção, numa voz de teatro. Tudo isto tem sido o resultado de firmeza e doçura. Comecei por lhes fazer um sério discurso – aquilo que nos quartéis se chama da “teoria”. Depois passei a algumas aplicações práticas provando que estava disposto a ser inexorável. Imediatamente reinou uma ordem deliciosa.» (01, p. 384)
Numa circunstância rara da vida de casal, Eça de Queiroz está em casa, em Paris, sozinho com os
O escritor com os dois filhos mais velhos: Maria e José Maria
filhos rapazes. Corre o ano de 1899, entrara 8 dias antes o mês de Agosto. A esposa Emília e a filha Maria estão fora, em Bourbonne-ls-Bains, em tratamentos para o reumatismo. Alberto – o Bebert -, o filho mais novo, tem 8 anos; os outros têm 11 e 9.
Sabemos, por senso-comum, que, mesmo em famílias em que ambos os pais estão regularmente presentes e em sintonia um com o outro, os filhos têm comportamentos diferentes quando estão só com um deles, seja por pouco ou muito tempo. No caso dos filhos de Eça de Queiroz, a figura habitualmente presente, que garante a estabilidade afectiva e os cuidados à prole, é a mãe.
Pelo que Eça diz, podemos pensar que os filhos seriam, como diz a gente do povo, “frescos”, traquinas, travessos. De notar é a intenção que o pai expressa à mãe de que o estilo educativo seja composto de “firmeza”, mas também de “doçura”.
Nem sempre o progenitor que se ocupa habitualmente com as crianças reage bem aos aparentes sucessos do outro progenitor, bastante mais ocasional na liderança dos cuidados educativos dispensados aos filhos. Quantas vezes pequenos desacordos, pontos de vista divergentes, conversas que ficam por acabar, são rastilho para  silenciosos, mas crescentes, desentendimentos entre o pai e a mãe, e, consequentemente, o enfraquecimento da tarefa educativa comum…
No caso de Eça e Emília, a reacção da mãe dos rapazes é notável, por isso, exemplar. Responde ela, como legenda a filha Maria, mais de 70 anos depois, “com um ligeiro tom de ironia muito terna”:
«Estimo imenso que eles (os pequenos) tenham juízo – pelas tuas cartas parece mesmo que é uma conversão – que espero encontrar em pleno vigor! Faz-me imensa ternura o Alberto lendo o Temps com voz de estertor! Coitadinho! Deus queira que o encontre com o seu narizinho sem restos do trambolhão. Maria quer para ti des caissons de baisers, d' amour, de tendresse! entrego! E ainda: Como estás de saúde?” (01, p. 385-386)

Palavras-chave: estilos educativos, relação pai-filho, relação pai-mãe
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(1) 01 – Eça de Queiroz entre os Seus, apresentado por sua filha – Cartas íntimas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1974.

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