TORNAR-SE PESSOA.
O papel da mãe na determinação do comportamento do bebé. 01.
«A valia de uma geração depende da educação que recebeu das mães. O homem é"profundamente filho da mulher", disse Michelet. Sobretudo pela educação. Na criança, como num mármore branco, a mãe grava; - mais tarde os livros, os costumes, a sociedade só conseguem escrever. As palavras escritas podem apagar-se, não se alteram as palavras gravadas. A educação dos primeiros anos, a mais dominante e a que mais penetra, é feita pela mãe: os grandes princípios, religião, amor do trabalho, amor do dever, obediência, honestidade, bondade, é ela que lhos deposita na alma. O pai, homem de trabalho e de actividade exterior, mais longe do filho, impõe-lhe menos a sua feição; é menos camarada e menos confidente. A criança está assim entre as mãos da mãe como uma matéria transformável de que se pode fazer - um herói ou um pulha.
Eça de Queiroz e a filha Maria em Torquay
Diz-me a mãe que tiveste - dir-te-ei o destino que terás.
A acção de uma geração é a expansão pública do temperamento das mães.» (Eça de Queiroz, Obras de Eça de Queiroz, vol. XV, Uma Campanha Alegre, Edição do Centenário, Porto, Lello & Irmão, 1948, p. 413)
Na verdade, para um psicólogo, aluno entusiasta do dr. Pedro Luzes, notável psicanalista e profundo estudioso de Eça de Queiroz, a tentação de ousadas interpretações psicológicas que tirem partido da bem conhecida rejeição a que a mãe do escritor logo o votou, mesmo antes que o bebé tivesse nascido, é bem grande; mas resisto.
Eça tem 26 anos quando assim escreve. Conhecerá o casamento e a paternidade apenas 15 anos depois. Não deixa de ser impressionante que ele, tão novo, pensasse de forma, no meu entender, tão clarividente; clarividente e correcta!
Provocando a posição do determinismo da influência materna, absoluto e inabalável, que se pode deduzir das palavras do jovem Eça, quase me apetece verbalizar a presunçosa interrogação de que o mármore, em gastando-se - sim, o mármore também se gasta! -, o que fica?, o que deixa na criança feita homem? Não, não me interessa ir por aqui.
A frase de Michelet, «Je me sens profondémemt fils de la femme», reeditada em 1861, na obra "Le Pretre, la Femme et la Famille", é a afirmação de um homem maduro (Michelet nasceu em 1798), e Eça terá pensado, assim mesmo, "profundamente", sobre ela.
Herói ou pulha. Nos anos 20 do século XX, nos Estados Unidos da América, John Waston (o "pai" da Psicologia Behaviorista, que tão poderosa ainda é nos países anglo-saxónicos), mesmo que numa forma de pensar bastante diferente, afirma, também convictamente, o poder de, pela educação, fazer das crianças polícias ou ladrões, pelo simples arbítrio de quem educa. (1)
Repito, recomenda-me a prudência que fique por aqui, salientando apenas a importância tremenda que tem, no desenvolvimento infantil, os cuidados maternos, a educação e a influência social que a criança recebe da mãe - a mãe biológica ou a que dela faz a vez.
Prossiga o interminável confronto Natureza versus Cultura, entre Inato versus Adquirido.
Palavras-chave: pedagogia, mãe, pai, educação, relação mãe-filho, socialização, natureza versus cultura, inato versus adquirido
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(1) «Give me a dozen healthy infants, well-formed, and my own specified world to bring them up in and I’ll guarantee to take any one at random and train him to become any type of specialist I might select — doctor, lawyer, artist, merchant-chief and, yes, even beggar-man and thief, regardless of his talents, penchants, tendencies, abilities, vocations, and race of his ancestors.» John Watson, Behaviorism, New York, People's Institut, 1924, p. 82.