O valor das suas próprias palavras

“Temos depois que as cartas de um homem, sendo o produto quente e vibrante da sua vida, contêm mais ensino que a sua filosofia – que é apenas a criação impessoal do seu espírito.” (in A Correspondência de Fradique Mendes)

segunda-feira, 6 de junho de 2016

AFECTOS - Expressão de sentimentos. 01.

AFECTOS
Expressão de sentimentos. 01.
A gente nunca exprime bem o que sente: as “nuances” de coração e sentimento são tão difíceis de definir! (01(1), p. 31)
Eça de Queiroz, fotografia de casamento.
Fotog., Photographia União, Porto, 1886. BN.
Não sei se as pessoas se arrependem de nunca terem sido capazes de dizer o que lhes ia (ou vai) na alma, ou se se arrependem de terem dito mais do que deviam ter dito… E os mal-entendidos, senhor!, os mal-entendidos!...
Uma enfermeira australiana, há poucos anos, ocupada nos cuidados paliativos, fez uma recolha das coisas que os pacientes lhe diziam - em jeito de balanço, eles falavam-lhe das coisas que lamentavam terem ou não terem feito na vida. Logo em terceiro lugar, imediatamente a seguir a desejarem terem sido mais autênticos, menos à medida do que os outros esperavam deles; e de não terem trabalhado tanto, vem o desejo de terem tido coragem para expressar os sentimentos.

Curiosamente, nos trabalhos monográficos que os meus alunos fazem, sobretudo quando entrevistam os avós ou outras pessoas idosas, quando lhes perguntam se há alguma coisa de que se arrependam na vida, a resposta mais comum vai no mesmo sentido: dizem que se arrependem das coisas que não fizeram na vida, não das que fizeram.
“A falar é que a gente se entende”, diz a gente do povo. Como fazer, então? Cultivando a experiência da conversa e do diálogo, não é? Pais com filhos, avós com netos, professores com alunos; amigos com amigos.
"De pequenino se torce o pé ao pepino". "O hábito faz o monge".
Para já, como notável exemplo da difícil expressão dos sentimentos, procuremos imaginar Eça de Queiroz, à beira dos 40 anos, homem (mais que) feito, ansioso por casar, a escrever assim à sua noiva Emília, onze anos mais nova do que ele:
“Tenho muitos defeitos, e ainda que felizmente o mundo não me “ressequiu”, nem me tornou “artificial” como ele geralmente torna todos os que vivem nele, ainda que conservo em mim, graças a Deus, bastante of human nature – falta-me todavia, receio, esse brilhante e formoso e quase divino entusiasmo da mocidade que doura e aquece tudo, e que é a mais deliciosa chama em que uma mulher pode deixar queimar à vontade o seu coração.
Falta-me, creio, esse entusiasmo – ou pelo menos os atritos do Mundo diminuíram-lhe a intensidade: e isto já não é uma pequena falta. Mas tenho ainda outras… Em todo o caso, é necessário que eu acabe esta carta “palradora”. (01(1), p. 30-1)

Palavras-chave: sentimento, afecto, comunicação, diálogo, mal-entendidos, mocidade
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(1) 01 - Eça de Queiroz entre os Seus, apresentado por sua filha – Cartas íntimas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1974.

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