O valor das suas próprias palavras

“Temos depois que as cartas de um homem, sendo o produto quente e vibrante da sua vida, contêm mais ensino que a sua filosofia – que é apenas a criação impessoal do seu espírito.” (in A Correspondência de Fradique Mendes)
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sábado, 16 de julho de 2016

TORNAR-SE PESSOA. O papel da mãe na determinação do comportamento do bebé. 01.

TORNAR-SE PESSOA.
O papel da mãe na determinação do comportamento do bebé. 01.
«A valia de uma geração depende da educação que recebeu das mães. O homem é
Eça de Queiroz e a filha Maria em Torquay
"profundamente filho da mulher", disse Michelet. Sobretudo pela educação. Na criança, como num mármore branco, a mãe grava; - mais tarde os livros, os costumes, a sociedade só conseguem escrever. As palavras escritas podem apagar-se, não se alteram as palavras gravadas. A educação dos primeiros anos, a mais dominante e a que mais penetra, é feita pela mãe: os grandes princípios, religião, amor do trabalho, amor do dever, obediência, honestidade, bondade, é ela que lhos deposita na alma. O pai, homem de trabalho e de actividade exterior, mais longe do filho, impõe-lhe menos a sua feição; é menos camarada e menos confidente. A criança está assim entre as mãos da mãe como uma matéria transformável de que se pode fazer - um herói ou um pulha.

Diz-me a mãe que tiveste - dir-te-ei o destino que terás.
A acção de uma geração é a expansão pública do temperamento das mães.» (Eça de Queiroz, Obras de Eça de Queiroz, vol. XV, Uma Campanha Alegre, Edição do Centenário, Porto, Lello & Irmão, 1948, p. 413)
A. Campos Matos, num artigo publicado na Revista Portuguesa de Psicanálise, n.º 32[1]: Janeiro-Junho de 2012, pp. 41-52], e republicado em Eça de Queiroz, Silêncios, Sombras e Ocultações, também em  2012, pelas Edições Colibri, afirma nunca ter visto comentado «Na criança, como num mármore branco, a mãe grava; - mais tarde os livros, os costumes, a sociedade só conseguem escrever. As palavras escritas podem apagar-se, não se alteram as palavras gravadas.» (E. Colobri, p. 295) Aconselhado pela prudência, ainda não serei eu quem abrirá os comentários desejados ou em falta.
Na verdade, para um psicólogo, aluno entusiasta do dr. Pedro Luzes, notável psicanalista e profundo estudioso de Eça de Queiroz, a tentação de ousadas interpretações psicológicas que tirem partido da bem conhecida rejeição a que a mãe do escritor logo o votou, mesmo antes que o bebé tivesse nascido, é bem grande; mas resisto.
Eça tem 26 anos quando assim escreve. Conhecerá o casamento e a paternidade apenas 15 anos depois. Não deixa de ser impressionante que ele, tão novo, pensasse de forma, no meu entender, tão clarividente; clarividente e correcta!
Provocando a posição do determinismo da influência materna, absoluto e inabalável, que se pode deduzir das palavras do jovem Eça, quase me apetece verbalizar a presunçosa interrogação de que o mármore, em gastando-se - sim, o mármore também se gasta! -, o que fica?, o que deixa na criança feita homem? Não, não me interessa ir por aqui.
A frase de Michelet, «Je me sens profondémemt fils de la femme», reeditada em 1861, na obra "Le Pretre, la Femme et la Famille", é a afirmação de um homem maduro (Michelet nasceu em 1798), e Eça terá pensado, assim mesmo, "profundamente", sobre ela.
Herói ou pulha. Nos anos 20 do século XX, nos Estados Unidos da América, John Waston (o "pai" da Psicologia Behaviorista, que tão poderosa ainda é nos países anglo-saxónicos), mesmo que numa forma de pensar bastante diferente, afirma, também convictamente, o poder de, pela educação, fazer das crianças polícias ou ladrões, pelo simples arbítrio de quem educa. (1)
Repito, recomenda-me a prudência que fique por aqui, salientando apenas a importância tremenda que tem, no desenvolvimento infantil, os cuidados maternos, a educação e a influência social que a criança recebe da mãe - a mãe biológica ou a que dela faz a vez.
Prossiga o interminável confronto Natureza versus Cultura, entre Inato versus Adquirido.


Palavras-chave: pedagogia, mãe, pai, educação, relação mãe-filho, socialização, natureza versus cultura, inato versus adquirido
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(1) «Give me a dozen healthy infants, well-formed, and my own specified world to bring them up in and I’ll guarantee to take any one at random and train him to become any type of specialist I might select — doctor, lawyer, artist, merchant-chief and, yes, even beggar-man and thief, regardless of his talents, penchants, tendencies, abilities, vocations, and race of his ancestors.» John Watson, Behaviorism, New York, People's Institut, 1924, p. 82.

terça-feira, 12 de julho de 2016

A MENTE E O QUE A MOVE - QUERER É MESMO PODER? O papel determinante da curiosidade. 01.

A MENTE E O QUE A MOVE - QUERER É MESMO PODER?
O papel determinante da curiosidade. 01.
«A curiosidade, instinto de complexidade infinita, leva por um lado a escutar às portas e por outro a descobrir a América:- mas estes dois impulsos, tão diferentes em dignidade e resultados, brotam ambos dum fundo intrinsecamente precioso, a actividade do Espírito.» (Eça de Queiroz, Edição Crítica das Obras de Eça de Queirós, Textos de Imprensa V (da Revista Moderna), Eduardo Prado. Lisboa, INCM, 200513, p. 120)
A crónica Eduardo Prado foi publicada em 1898, em fase de sofrimento já especialmente crónico do escritor.
A curiosidade foi a irresistível sede de saber que, com a simbólica tentação de Eva, fez a Humanidade inteira perder o Paraíso.
A curiosidade foi a fascinante força infantil (Eça tem razão, é uma coisa instintiva) que prendeu o psicólogo suíço Jean Piaget ao labor que lhe permitiu construir, tijolo a tijolo, um tremendo edifício de conhecimento sobre o desenvolvimento da mente infantil e da inteligência humana. A curiosidade desencadeia a acção, e da acção nascem as obras humanas. A curiosidade não é característica da espécie humana; mas - e mais uma vez Eça tem razão - é no ser humano que ela ganha "complexidade infinita".
Mais dois pequenos excertos da mesma crónica, e não preciso de comentar mais nada...
«O espírito porém que incita o homem a deixar a quietação do banco do seu jardim, a trepar a um muro escorregadio, a espreitar o jardim vizinho, possui já uma estimável força de vivacidade indagadora: - e a tendência que o moveu é essencialmente idêntica à tendência que, noutro tempo, levara outro homem a subir às rochas de Sagres, para contemplar, com sublime ansiedade, as neblinas atlânticas. Ambos são dois espíritos muito activos, almejando por conhecer o mundo e a vida que se estendem para além do seu horizonte e do seu muro.»
 O outro excerto:
«Mas ambos eles, o criador de civilização e o criador de escândalo, obedeceram à mesma energia íntima de iniciativa descobridora. São dois espíritos governados pela curiosidade, a vil curiosidade, como lhe chama Byron, com romântica ignorância... E de resto, sem essa qualidade vil, nunca o primitivo Adão teria emergido da caverna primitiva, e todos nós, mesmo o curiosíssimo Byron, permaneceríamos, através dos tempos, solitários e horrendos trogloditas.»
Afinal, não resisto a mais um pequeno comentário: será possível conter a curiosidade nefasta, "vil", "escandalosa"? Penso que sim - pela acção autorregulada da tentativa-erro; e pelo papel sábio desempenhado pela educação - em casa, na escola, nas comunidades de pertença.


Palavras-chave: curiosidade, pedagogia, motivação, ambição, educação, regulação dos comportamentos, autorregulação
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