TORNAR-SE PESSOA.
Controlo dos impulsos e aceitação das convenções sociais. 01.
«O coração tem os seus élans, mas a vida tem também os seus cerimoniais. Que devo fazer?" (Eça de Queiroz, Carta a Manuel de Castro, Conde de Resende) (1)
Emília de Castro Resende antes do seu casamento com Eça de Queiroz |
Aos 40 anos, Eça de Queiroz tem já a mente disciplinada pela exigência e esforço da escrita. Humanamente, tem a experiência de um número considerável de relacionamentos amorosos, até com duas irmãs americanas - em simultâneo!; e, naturalmente, conhece também, a experiência amorosa de muitos dos seus amigos. Mas...
Mas mesmo assim, na mesma carta, Eça escreve duas vezes a mesma pergunta - «Que devo fazer?»; e ainda mais 3 outras perguntas reflectindo ansiosas dúvidas.
Mas como fazer os sujeitos com metade da sua idade, na pujança das exigência biológicas e hormonais, que são, afinal, os habituais protagonistas dos afectos, impulsos e atracções amorosas assim tão intensas?
Ele próprio, o escritor, deixa-nos uma muito interessante pista para a resposta à pertinente pergunta.
Na verdade, na mesma carta ao querido amigo, irmão da apaixonada, logo a seguir, Eça escreve:
«Tu que foste o amigo sublimemente indiscreto - sê agora o conselheiro generosamente avisado.»Quer dizer, o apaixonado declara que precisa de um amigo, mostra confiança e antecipa gratidão.
Ele reconhece o impulso que o motiva
«Se eu pudesse escutar só o desejo do meu coração - partia para aí amanhã.»e também, implicitamente, que precisa de controlar tal impulso.
Eça está em Londres, que nunca terá sentido tão longe da Granja, em Portugal, quanto naquele momento!
Parece, pois, que a distância e a idade são determinantes para que o ansioso enamorado consiga ter mão nos impulsos e aceite percorrer as etapas das convenções sociais.
Palavras-chave: impulsos, afectos, paixão, convenções sociais, socialização, amigos
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(1) A. Campos Matos, Eça de Queiroz. Correspondência. Vol. I. Lisboa, Caminho, 2008, p. 390.
Será que Eça resistiu aos seus impulsos, ou conseguiu respeitar os cerimoniais das convenções sociais? É o seguinte, o testemunho da filha Maria, naturalmente filho da isenção que, com boa fé, podemos esperar de quem é afectivamente, por laços de sangue, muito próximo:
ResponderEliminar«Sob a reserva elegante e um pouco altiva dessas primeiras cartas [trocadas entre Eça e Emília] - que podem servir de meditação perante as expressões empregadas hoje em dia - adivinham-se sentimentos profundos que pouco a pouco se irão revelando, delicadezas de um coração de homem, subtil valor de uma alma de mulher: - a absoluta sinceridade de uma afeição que se pressente em toda a força e beleza.»
Eça de Queiroz, "Eça de Queiroz entre os seus, apresentado por sua filha, Cartas Íntimas", Lisboa, Caminho, 2012, pp. 23-4